Março de 2023 – As recentes notícias de homens resgatados na serra gaúcha que trabalhavam em condições análogas à escravidão, submetidos a alojamentos degradantes, tortura, dívidas com o empregador e jornadas de trabalho extenuantes, abriram novamente a discussão da importância de empresas tomadoras de serviços terceirizados intensificarem a fiscalização e o conhecimento sobre seus parceiros de negócios.
As vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras de vinhos e sucos de uva do País, disseram, em nota, que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores. Uma delas, inclusive, relatou que pagava em torno de R$ 6.500,00 por cada funcionário terceirizado.
Infelizmente, a situação acima expõe um cenário preocupante no que tange ao cumprimento de princípios de ESG (Environmental, Social and Governance), que, por definição básica, é um conceito que busca definir se as operações das empresas são socialmente responsáveis, sustentáveis e corretamente gerenciadas.
A crescente preocupação da sociedade com questões como sustentabilidade, responsabilidade social e transparência na gestão corporativa tem levado muitos consumidores a abandonar marcas que causam impacto negativo ao meio ambiente ou que não defendem os ideais com os quais se identificam. Escândalos de corrupção também podem levar ao afastamento dos consumidores.
Isso é um alerta para as empresas perceberem a importância de se adaptar a essa nova realidade. Ser uma empresa sustentável, que prioriza boas práticas ambientais, sociais e de governança, não deve ser visto como um diferencial competitivo, mas sim como uma obrigação organizacional, não apenas internamente, mas também em relação aos seus prestadores de serviço.
Estamos novamente diante de mais um caso em que é primordial uma análise acurada e completa dos fornecedores de uma empresa para garantir que não sejam utilizadas práticas abusivas ou ilegais em sua cadeia produtiva.
Em se tratando de optar pela terceirização, apenas se preocupar com o preço ou as vantagens imediatas ligadas à quantidade e à produtividade de fornecimento não é o suficiente em um cenário cada vez mais atento aos princípios ESG. Desta forma, é essencial que as empresas realizem um processo eficiente de Due Diligence (análise dos antecedentes) para não caírem em exposição.
Essa prática, além de garantir que o fornecedor é confiável e cumprirá com os acordos firmados, é fundamental para identificar possíveis problemas legais, fraudes e mitigar riscos futuros que possam afetar a operação e a reputação da empresa.
É importante ressaltar que, em casos como o das vinícolas, a análise junto ao Ministério do Trabalho e a verificação de processos e certidões de regularidades trabalhistas se fazem essenciais.
Isso porque foi identificado que Pedro Augusto de Oliveira Santana, administrador da empresa terceirizada pelas vinícolas e responsável pela contratação dos trabalhadores resgatados, já possuía histórico de autuações por irregularidades trabalhistas em razão de uma empresa anterior em que era sócio, a Oliveira & Santana, criada em 2012, cujos alojamentos dos trabalhadores já chegaram a ser interditados.
Embora, naquela ocasião, nenhuma situação análoga à escravidão tenha sido identificada, a empresa empregou 206 funcionários antes de encerrar suas atividades em 2019.
Ou seja, a implementação de medidas efetivas para garantir o cumprimento das leis trabalhistas, como é o caso da fiscalização por meio da realização de uma Due Diligence, é fundamental para evitar que práticas abusivas continuem ocorrendo no ambiente empresarial.
Nesse sentido, até mesmo para se manterem como players no mercado, a implementação dos K’s do Compliance (Know Your Customer, Know Your Partner, Know Your Supplier, Know Your Employee) é uma etapa básica e fundamental para a gestão de risco reputacional. Ao conhecer seus clientes, parceiros, fornecedores e funcionários, a empresa pode garantir que sua imagem não esteja atrelada a nenhum tipo de evento que possa danificar seu posicionamento diante dos clientes e do mercado.
Afinal, ser uma empresa sustentável, responsável socialmente e transparente na gestão corporativa é uma obrigação organizacional que deve ser levada a sério por todos aqueles que desejam manter-se competitivos em um mundo em constante transformação.
* Escrito por Jéssica Carvalho e Paulo Rodrigo Barreto, consultores especializados em OSINT (Open Source Strategic Intelligence) na área de Inteligência Corporativa da Aliant, plataforma de soluções digitais para Governança, Riscos, Compliance, Cibersegurança, Privacidade e ESG.
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