O ano de 2023 foi um desafio a parte para os setores de Compliance de todos os segmentos no Brasil: novos marcos legislativos, novas resoluções de órgãos reguladores, uma atmosfera política internacional incerta. Com esse contexto, como estruturar o setor de Compliance para 2024?
Com a chegada de dezembro, a hora de pensar o setor para o próximo ano também chegou e esse é o guia prático para te auxiliar a tomar decisões envolvendo a (re)estrutura de Compliance.
Neste material, vamos abordar:
- Como os setores de Compliance no Brasil são estruturados?
- Como definir o orçamento para a área de Compliance?
- O seu orçamento dependerá da cultura ética da sua empresa
Como os setores de Compliance são estruturados no Brasil?
Em busca de argumentar com a liderança a aprovação do orçamento, é necessário, em primeiro lugar, compreender como os setores de Compliance são regularmente estruturados no Brasil.
Essa análise envolve dois pilares: a quantidade de colaboradores e as funções que eles exercem.
Segundo a Pesquisa Nacional sobre as Necessidades e Tendências do Compliance de 2023, 72% dos setores no Brasil são compostos por até 5 pessoas.
Essa realidade com equipe enxuta contrasta com as atividades desempenhadas: enquanto o próprio setor pode envolver tarefas multidisciplinares, mais de 70% não atua isoladamente com Compliance.
Com o objetivo de organizar as tarefas distintas e a manutenção dos profissionais disponíveis, o principal caminho envolve a adesão a um processo de transformação digital. Em termos práticos, isso significa o investimento em softwares que automatizam parte do trabalho recorrente e que sejam de fácil utilização, mas não só isso.
O grande foco é a implementação de uma mentalidade de resolução de questões de modo digital, atacar gargalos informativos e permitir uma maior eficiência. Ao defendermos a ideia de otimização no cumprimento dos pilares de um programa de conformidade, compreendemos que a sua contemplação pode ocorrer por meio de estratégias que utilizem os esforços empreendidos nele da melhor forma possível. Isso inclui a terceirização de certas atividades, coisa que apenas 35% dos setores realizam.
Um exemplo clássico é a gestão de terceiros, que pode, entre as atividades de diligência prévia e treinamentos, envolver alocações fixas de um ou mais analistas. Enquanto, para a diligência, deve-se utilizar plataformas de rápida implementação e rápida curva de aprendizado, para treinamentos recomenda-se o microlearning como forma da manutenção do alinhamento dos terceiros (parceiros, fornecedores, representantes).
Como definir o orçamento para a área de Compliance para 2024?
Ao lidarmos com os aspectos práticos da construção e manutenção de um setor dentro de uma companhia, a disponibilidade dos recursos é relacionada com o desempenho das atividades pretendidas.
É possível entender esse processo envolvendo três etapas:
a) a relação com um plano de trabalho;
b) a demonstração da realidade por meio de indicadores;
c) convencimento da alta diretoria e/ou conselho administrativo para aprovação final.
a) Plano de trabalho
Para que um orçamento seja fixado, é necessário que exista um plano de trabalho bem delimitado. Embora possa parecer uma condição essencial, e que nem precisaria ser dita, esse documento envolve peculiaridades que podem, se não bem administradas, prejudicar o ano atual (2024) e o próximo (2025).
O primeiro passo para fixar corretamente um plano anual envolve a compreensão do nível de maturidade do programa de integridade. Um setor de Compliance, como parte integrante de um programa de integridade, possui uma série de atribuições em relação a empresa e seus colaboradores.
Podemos destacar o desenvolvimento e revisão do código de ética, o gerenciamento do Canal de Denúncias, a construção e o suporte ao Comitê de Ética, os treinamentos, entre outras.
Essas atividades não são desenvolvidas simultaneamente e devem ser ordenadas em uma lista de prioridade que considera, entre outras coisas, a especificidade de cada ramo e a capacidade de uma efetiva execução daquele setor.
Não é possível, por exemplo, programar uma série de treinamentos sobre o código de conduta ética da empresa sem que o próprio código já esteja elaborado e divulgado. Da mesma maneira, o cumprimento de determinada norma regulatória deve ser prioridade, caso ponha em risco o funcionamento regular das atividades empresariais.
b) Indicadores
O segundo passo envolve a necessidade de embasamento empírico para tomada de decisões estratégicas e a avaliação honesta do período transcorrido. Considerando a natureza do setor de Compliance, listamos alguns dos principais indicadores para o setor:
Comparativo de passivo trabalhista entre anos
Embora o nascimento de um litígio judicial tenha diferentes motivos, o comparativo dos quantitativos de processos trabalhistas entre anos pode servir como um indicador precioso para o seu time.
O racional por trás envolve a economia de recursos com custas judiciais ao prevenir desvios comportamentais, apurar corretamente a denúncia e cumprir a legislação como um todo.
Percentual de treinamentos concluídos
Os treinamentos são essenciais para a transmissão do conhecimento sobre as práticas de mercado e no processo de mudança do padrão de conduta antiético.
O cumprimento de um plano de trabalho de treinamentos, com a devida regularidade e percentuais de conclusão, se correlaciona com outros indicadores e demonstra a preocupação da companhia com o alinhamento dos seus valores.
Relatório comparativo de canal de relatos
O Canal de Denúncias é a atividade mais recorrente dos setores de Compliance no Brasil. Um relatório aprofundado sobre a sua efetividade, a quantidade de relatos recebidos e o perfil de conclusão ajudam a compreender a natureza dos acontecimentos corporativos.
No entanto, só isso não basta: é importante que haja uma comparação entre as principais companhias de ramo/porte, uma vez que apenas uma análise interna pode causar uma falsa impressão de progresso.
c) Convencimento do Conselho e Alta administração
Munido de um plano de trabalho e dos indicadores, um último passo possível envolve a reunião (ou as reuniões) com o Conselho Administrativo e/ou a Alta Administração da companhia para apresentação da ideia e a discussão.
Conforme a pesquisa sobre Tendências de Compliance, o setor de (em sua maioria) reporta diretamente para o CEO ou presidente da companhia, tornando ainda mais relevante o momento para a demonstração dos resultados/expectativas:
De fato, esse momento não deve ser subestimado: a conscientização e busca do apoio da liderança é tida como a atividade mais importante pelos profissionais de Compliance do Brasil, a frente de atividades como o gerenciamento do Canal de Denúncias e a aplicação de treinamentos.
Dito isso, para o momento da reunião, as recomendações envolvem
- a estruturação de instrumentos visuais atrativos;
- ter um resumo dos principais indicadores da companhia e possíveis pontos comparativos do mercado;
- se possível, a evolução histórica desses indicadores (3, 5, 10 anos);
- estratégias para o aumento da eficiência e eficácia das atividades já desempenhadas;
- benefícios esperados com potenciais novas frentes de trabalho.
O orçamento de Compliance depende da cultura de Ética da empresa
A transformação cultural pró-ética na companhia é um passo avançado que todos os programas de conformidade almejam. No entanto, esse processo complexo demanda uma continuidade das ações promovidas pelo setor de Compliance e também pode definir a viabilidade da continuidade dessas ações.
Por isso, desde o primeiro momento, é essencial que sejam adotadas estratégias de baixo custo para a construção de uma cultura pró-ética, uma vez que o nível de maturidade da organização como um todo pode definir o orçamento para a área antes mesmo das reuniões com o Conselho.
Separamos 5 estratégias que podem auxiliar as empresas e entenderem como estruturar essa transformação na cultura:
1) Organize a casa, distribua tarefas
Os esforços de conformidade, embora sejam prioritariamente responsabilidade do Compliance, não podem ficar a cargo de um único setor. As iniciativas devem abranger setores estratégicos (de comunicação, departamento pessoal) e contar com a cooperação da alta gestão da empresa.
Com base nisso, um plano de ação deve ser montado para que seja possível planejar os passos, avaliar o progresso e corrigir a rota, se necessário.
2) Atenção aos novatos…
Além do processo de recrutamento e seleção de novos colaboradores, os setores envolvidos no projeto de transformação cultural devem realizar um acompanhamento dos primeiros dias dos novos colaboradores.
A participação na reunião de feedback inicial após os 90 dias ou até mesmo a marcação de uma reunião específica pode ser um caminho interessante.
3) … mas não se esqueça dos seus líderes
A liderança, especialmente os gerentes e encarregados, é essencial na estratégia de transformação cultural. Garantir que eles cumpram as regras, bem como mantenham-se motivados, são duas etapas que não podem ser negligenciadas.
Além da conduta pessoal como influenciadora, o líder é capaz de mobilizar as outras pessoas através de ações situadas.
4) Faça e mostre que está fazendo
Um projeto de transformação cultural não pode ser um segredo apenas para os envolvidos. Ele deve correr os corredores da empresa e fazer parte da estratégia de comunicação corporativa.
E comunicação aqui deve ser entendida de modo abrangente: é essencial comunicar regularmente os valores que a companhia segue em boletins internos, falar sobre as medidas de prevenção aos desvios comportamentais por meio de treinamento e, especialmente, falar sobre o canal de relatos.
5) O Canal de Relatos é a vanguarda da transformação
Se tivéssemos que resumir todos os tópicos anteriores em apenas 1, seria a divulgação e gerenciamento do Canal de Relatos. Para o processo de transformação cultural ser possível, leva-se em consideração a criação de ferramentas para que a unidade cultural tome decisões de uma maneira diferente da que vinha tomando – nesse caso, decisões mais éticas.
A mudança só é possível quando o grupo, de maneira racional, encontrar nos pilares pró-conformidade alternativas melhores do que a omissão ou negligência. Nesse sentido, o Canal de Relatos é o primeiro recurso, a vanguarda, desse projeto.
Quando uma pessoa toma a decisão de relatar condutas que ferem o código de ética da empresa, deve-se assegurar:
(a) que ela saiba como relatar;
(b) que o relato tenha as informações necessárias;
(c) que ela não seja punida ou sofra retaliações;
(d) que o processo de apuração seja efetivo, em um tempo razoável, e que o resultado seja comunicado para a pessoa relatante.
Por isso, desde estratégias de comunicação avançadas, passando pela construção de vídeos e ebooks sobre como relatar e finalizando em treinamentos periódicos de apuração de relatos, cuidar de como o Canal é gerido é crucial.
Entenda melhor o funcionamento dos Canais no artigo: Canal de Denúncias: tudo que você precisa saber sobre ele
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