São inegáveis que os efeitos da pandemia e o lockdown foram decisivos para que a economia global entrasse em recessão. Desde março de 2020, quando a política de isolamento social foi adotada de forma ampla na indústria, no comércio e nos demais setores, tem havido muito debate sobre os efeitos disso na economia e nas camadas mais pobres da população.
Tanto para quem defendia o “Fique em Casa” quanto para quem propunha outras soluções assume que o pós-pandemia do coronavírus tem sido um momento desafiador para recuperar o que foi perdido.
Diversas empresas se viram sem recursos financeiros para pagar impostos, salários, e atender ao mercado que, durante este período, não poderia sair de casa para adquirir mercadorias e serviços. E, por isso, o legislador brasileiro precisou adequar uma lei que pouco havia sofrido mudanças desde a sua promulgação: A Lei de Recuperação Judicial e de Falências, de número 11.101/05.
Em dezembro de 2020, o Presidente da República sancionou a Lei nº 14.112/20, que a partir de janeiro de 2021, passou a trazer profundas alterações na Lei de Recuperação Judicial, e uma consequente modernização de institutos que sequer eram utilizados anteriormente.
A alteração de Lei teve como objetivo primordial superar algumas ineficiências da Lei nº 11.101/2005, acrescentando alguns instrumentos processuais e materiais interessantes ao pleno desenvolvimento da recuperação judicial e a falência da empresa.
Dentre as mudanças ocorridas, como, por exemplo, possibilidade de prorrogação do stay period, inclusão da prioridade de tramitação, tentativas de conciliação a qualquer momento no processo, parcelamento de dívidas tributárias e possibilidade de requerer recuperação judicial do produtor rural, uma se destacou bastante, que é a possibilidade de o Tribunal Brasileiro reconhecer processo de insolvência oriundo de outro país e, assim, estender os efeitos da recuperação judicial deferida em outro país para filiais existentes aqui no Brasil, é o que chamamos de Insolvência Transnacional.
O que é a Insolvência Transnacional?
A insolvência transnacional se caracteriza pelo fato de existir processo de recuperação judicial ou falimentar no exterior (ou aqui no Brasil), mas que possua bens, estabelecimentos ou atividades em mais de um país. Essa ocorrência pode suscitar atuação jurídica e processual concorrente em múltiplas jurisdições.
Tal alteração tem por objetivo, que se fortaleça a cooperação internacional entre juízes e demais autoridades competentes, além de aumentar a segurança jurídica para um melhor desenvolvimento econômico, defesa dos interesses de credores e preservação de empregos.
O procedimento de insolvência transnacional já podia ser observado timidamente na Recuperação Judicial da OI, por exemplo, que (TJ-RJ, 7ª Vara Empresarial, Processo nº 0203711-65.2016.8.19.0001), incluía um grupo de sete empresas do mesmo grupo econômico, incluindo 2 empresas presentes na Holanda. Além disso, as decisões dadas aqui foram todas reconhecidas na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e em Portugal.
No entanto, após a Lei nº 14.112/20, a primeira decisão de aprovação de Recuperação Judicial com previsão expressa de cooperação internacional através da Insolvência Transnacional ocorreu na 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, nos autos do processo nº 0129945-03.2021.8.19.0001, que concedeu antecipação de tutela à empresa de navegação Prosafe SE, reconhecendo a existência do processo de insolvência da companhia em trâmite no Superior Tribunal de Singapura.
Quais os efeitos da Insolvência Transnacional nas relações jurídicas brasileiras?
Como já dito, a Insolvência Transnacional possui alguns objetivos bem definidos pela Legislação atual, cooperação internacional entre juízes e demais autoridades competentes, além de aumentar a segurança jurídica para um melhor desenvolvimento econômico através de administração justa e eficiente de processos de insolvência transnacional de modo a proteger os interesses de todos os credores e dos demais interessados, inclusive:
- do devedor;
- defesa dos interesses de credores;
- proteção e maximização do valor dos ativos do devedor;
- preservação de empregos;
- promoção da liquidação dos ativos da empresa em crise econômico-financeira, com a preservação e a otimização da utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos da empresa, inclusive os intangíveis.
Os objetivos e princípios norteadores já mencionados indicam que, decisões tomadas fora do Brasil sejam aplicadas aqui e vice-versa. Como exemplo, ainda citando os autos do processo nº 0129945-03.2021.8.19.0001, nos autos do processo estrangeiro, que foi reconhecido pelo Juízo como sendo o Processo Principal, havia sido concedido pedido de moratorium protection, semelhante ao stay period previsto na Lei de Recuperação Judicial brasileira, sendo vedada a adoção de medidas por credores contra o devedor e seu patrimônio, por um período fixado pela corte.
Posto isso, o juízo entendeu que, em razão do deferido no estrangeiro, precisaria replicar as determinações aqui no Brasil e, por isso, também determinou a suspensão de quaisquer processos de execução em curso em face do Grupo Prosafe no Brasil.
O que precisa ser esclarecido é que, por se tratar de cooperação internacional, os preceitos que regem as relações seguem princípios norteadores do Direito Internacional, que tem por regra, institutos de Soft Law.
O Soft Law é definido como um instituto do direito internacional que corresponde ao processo de criação de um instrumento normativo, mas sem força de lei – porquanto não gera sanção –, capaz, no entanto, de produzir efeitos. Este termo se refere a qualquer instrumento internacional, além dos tratados, que contenham princípios, normas, padrões, declarações, e até orientações internacionais, sem a força vinculativa de tratados.
A introdução do instituto da Insolvência Transnacional no ordenamento jurídico brasileiro não pode ferir a soberania nacional. Nesse sentido, as decisões dadas em tribunais estrangeiros precisam ser avaliadas com cautela quando apreciadas aqui no Brasil, em especial quando houver crédito extraconcursal brasileiro que, de acordo com a legislação atual, não é afetado pelos efeitos da recuperação judicial e/ou falência, o que autorizaria o Juízo competente a requerer que os bens da empresa estrangeira que se encontram no território brasileiro devem ser destinados, diretamente, à satisfação do crédito.
Logo, realizar o levantamento de bens e direitos que a empresa em Insolvência Transnacional possui aqui no Brasil, ou no exterior, pode ser uma forte aliada na hora de garantir que seu crédito seja recebido na integralidade.
Com a possibilidade de se proceder com a recuperação judicial transnacional, mais importante ainda se tornou ter aliado capaz de realizar todas as diligências cabíveis para garantir que não haja nenhuma fraude.
Como podemos ajudar
A Aliant, além de possuir reconhecida experiência no levantamento patrimonial a nível nacional, sendo capaz de mapear mais de 12 tipos de bens e direitos diferentes, também atua com investigações patrimoniais no exterior, com cases de sucesso por localizar bens nos EUA, Europa e Ásia.
Obvio que, a introdução do instituto da Insolvência Transnacional no ordenamento jurídico brasileiro, não é criar pontos de discordância entre os tribunais estrangeiros e nacional, mas, sim, aumentar investimentos no país, por estar fortalecendo a segurança jurídica para atuação de empresas em múltiplas jurisdições.
* Paulo Barreto é Consultor Sênior especializado em Investigação de Ativos e Levantamento Patrimonial com foco em OSSINT – Open Source Strategic Intelligence – na área de Inteligência Corporativa da Aliant, plataforma de soluções digitais para Governança, Riscos, Compliance, Cibersegurança, Privacidade e ESG.
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